sexta-feira, 2 de julho de 2010

A sereia e o pescador




Viver aqui eu não posso
Nem no vale, nem na serra;
Eu não sou filha da terra,
Eu sou sereia do mar.
Correi, ondas, brandamente,
Correi, vinde me buscar.
Nasci no seio das vagas,
Numa gruta de cristal;
Em colunas de coral
O meu berço se embalou.
Ondas, levai-me convosco,
Que eu desta terra não sou.
O amor criou-me entre pérolas
Sobre fúlgidas areias,
Mago canto de sereias
Meus sonos acalentou.
Ondas, levai-me convosco,
Que eu também sereia sou.
Eu não sou filha da terra,
Vivo triste nestas plagas;
Embalada sobre as vagas,
Só no mar quero viver.
Correi, vinde, ó minhas ondas.
A meus pés vinde gemer,
No regaço cristalino
Brandamente me tomai;
Aos plácios de meu pai
Vinde, vinde me levar.
Correi, ondas, pressurosas,
Levai a filha do mar.
E se alguém na terra ingrata
Sentindo loucos amores,
Meus encantos e favores
Insensato desejar,
Em torno a mim,
bravas ondas,
Vinde em fúria rebentar.
Em solitário rochedo,
Batido pelas tormentas,
Ide, ó ondas turbulentas,
Ide longe me ocultar.
Rugindo ali noite e dia,
Guardai a filha do mar.

Sentada ao pé de um rochedo,
Com os pés na branca areia,
Assim cantava a sereia
A linda filha do mar.
E a onda mansa, gemendo,
Os pés lhe vinha beijar.
Pescador, que além vogava,
No seu batel escondido,
Absorto prestava ouvido
A tão saudoso cantar,
E a vela e o remo esquecia
Ouvindo a filha do mar.


Bernardo Guimarães

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